Ao final de dezembro fui convidada a acompanhar os jovens da Casa Taiguara na última viagem que fariam no ano, com a emocionante tarefa de fazê-los refletir e escrever sobre suas experiências e os novos conhecimentos alcançados com a oportunidade do momento.
Texto e fotos: Silvia Regina
Nosso destino: PETAR – Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira – (http://www.petaronline.com.br/), um lugar de encantamento com a natureza verde do resto de Mata Atlântica que nos resta, além das incríveis pareidolias possibilitadas pela formação interior das cavernas, espalhadas às dezenas naquele pedaço de São Paulo. Foram dez horas de viagem e 4 dias junto de uma turma de expedicionários que, não conseguiu dormir na ida, quando a expectativa entre eles não cabia no pequeno ônibus que nos levava para o lugar do qual eu só havia ouvido falar; e, na volta, demonstravam-se incansáveis, com forças para brincar e cantar as típicas canções de ônibus com crianças e adolescentes. Mas, o que me move a escrever sobre essa experimentação são dois temas que me atraem muito, em pé de igualdade: a preservação do natural e a preservação do ser humano.


Diante Deles somos só poeira de estrela

Contudo, o trabalho atual do povo que vive do turismo na região é um alento aos amantes da Grande Mãe, e seu esforço é reconhecido pela vivacidade do lugar. Tudo parece acolhedor no PETAR, o som da água correndo no rio, o chiar dos pássaros, o rumor dos ventos na copa das árvores, o sol que arde sem esturricar, porque as pedras lá não são de cimento, mas, são basalto a remontar períodos anteriores à história. Ali a terra respira.
De lá nada se tira e a preservação da Mata se estende às cavernas. Estalagmites e estalactites continuam se formando e somente em algumas poucas partes se mostram vandalizadas. Todo o meio é respeitado pelos visitantes que só podem tentar as artimanhas da espeleologia com a companhia dos guias, que fazem toda a diferença dentro de uma caverna. Sem esquecer do capacete e da lanterna, essenciais em todos os percursos.
São diversas as situações a serem transpostas em um ambiente como aquele. Além do terreno ser desconhecido, você deve se dispor ao risco, encontrar maneiras de seguir à diante, ora você ajuda alguém e ora é ajudado. Não é lugar para visitas sem companheirismo, compaixão, energia, humildade e atenção.
De uma caverna não se sai incólume. E não digo isso por conta das cabeçadas, arranhões, topadas e quedas que, acontecem aos montes dentro de qualquer uma. Não. É porque ali, assim como numa trilha, por dentro da Mata, somos colocados diante do mundo nu, despido de nossos maneirismos, de nossa decoração fantasiosa de símios que desceram das árvores, de facilitadores que na vida urbana são possíveis, principalmente, talvez, por conta de nossos relacionamentos sociais. Numa caverna é você e o desafio de ser você, diante dos complicadores locais.

A exemplo da Santana e da Água Suja, duas cavernas incrivelmente ornamentadas, somos obrigados a reconhecer a nossa pequeneza diante do tempo e do espaço que teimamos em ocupar mal, parca e porcamente. Ali a coexistência é imposta: ou você se adapta ou a caverna te engole. Sem adaptação, no mínimo, alguém se machuca (você, ela ou a vida que habita tais entranhas). Morcegos, microcaramujos, aranhas, humanos, água e milênios transformados em rocha, tudo na mesma realidade. Ao observar as camadas rochosas que compõe o estonteio daquilo tudo, percebemos, inutilmente, que somos um piscar de olhos na vastidão de tudo que existe. E com isso, viver as piscadelas que temos, tem que ser algo realmente valorado.
Essa valoração me leva de volta ao texto poético da vida dos jovens que me acolheram tão bem quanto o PETAR, durante os quatro dias de viagem. Gente com tantos talentos por desenvolver, com tanto para oferecer, escondida por traz de armaduras anti todo tipo de catástrofe.

Companheiros de viagem
Ninguém sai ileso de uma caverna, assim como não sai ileso de sua própria existência. Neste contexto, a Casa Taiguara acaba por ser mais que uma morada para jovens em risco social, se torna um espaço para fazer viver, da melhor maneira, o melhor que a vida tem.
- Água Suja: fila indiana para não esmagar os pequenos caramujos, compaixão; lugares por onde só se passa agachado, humildade.
Perguntei sobre o futuro e todos, sem exceção, hesitaram em responder. Eles não sabem falar de futuro, eles não planejam, parecem não querer traçar objetivos. Que coisa é essa capaz de tirar a habilidade do sonho da vida de alguém? Fui insistente e acho que recebi respostas coladas de personagens da TV, assumidas como próprias, mas, de qualquer forma, sei que os fiz pensar, mesmo que por uns poucos minutos, a cerca dos desejos para o futuro.
Afinal, existe um depois para o qual estes meninos e meninas estão sendo preparados, despercebidamente. E é uma posteridade roteirizada tal e qual um plano de vôo sem conhecimento prévio sobre o local de pouso. A única certeza que se pode ter sobre a aterrissagem desses viajantes é que, neste instante, geologicamente falando, os educandos que eu conheci, estão sendo preservados, restabelecidos e preparados para, quem sabe, deixar aflorar de si aquilo que não foi perdido.
Conheça mais:
Casa Taiguara – casataiguara.org.br
Roteiros de Mim (blog criado para guardar os depoimentos e as viagens dos educandos da Casa Taiguara) – roteirosdemim.wordpress.com
Sobre a autora
Silvia Regina de Jesus é doutoranda e mestra em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, graduada em Comunicação Social. Além disso, pertence ao corpo editorial da Revista Nexi (Comunicação e semiótica/ PUC-SP) e é editora de Gostonomia, escrevendo contos e reflexões sobre gosto: a capacidade de apreensão apreciativa da gente e das coisas. É autora de A sensibilidade inteligível do chocolate: uma análise do fazer estésico apreendido, cultivado e comunicado, dissertação encontrada em: Domínio Público.gov.br.[ http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=167688] / editoria@gostonomia.com.br