por Silvia Regina Guimarães
Diante da folha em branco na tela do computador, me dispus a escrever novamente para esta publicação a 16 dias de completar três anos desde minha última postagem.
Não foi de caso pensado. É Carnaval.
Da minha janela vejo criaturas de todos os tipos e cores, desfilam para lá e para cá em suas fantasias recobertas por japonas e jaquetas quentinhas, que tiram o encanto da cerimônia de se vestir exclusivamente para o dia de festa, flores e doces.
Penso que eu teria adorado brincar o Carnaval por aqui, quando criança. Parece tão democrático. Nada de salões nos clubes da burguesia, nada de pagar ingressos caros para ver o desfile da avenida. Isso, porque sou de uma época em que os bloquinhos de rua não eram comuns como hoje são em São Paulo.
E por lembrar de SP, ao final da pandemia, vivi minha única experiência na avenida. A fantasia era desconfortável, veio de graça, ajudei a escola a fazer bonito e foi interessante, mas passou. Ainda bem, não quero fazer de novo.
O Carnaval fazia mais graça na infância. Possivelmente, porque em minhas brincadeiras, sempre existiam fantasias no plano das ideias. E eu me esforçava para representá-las de alguma maneira no plano material. É interessante que algumas eram criações tão fortes, que me lembro dos locais visitados na imaginação pelas imagens que se interpunham entre o lá e o aqui do momento, diante dos olhos. Era completar a fantasia e já não via o quarto e sala onde morávamos, as salas ou o pátio da creche onde passei brincando os últimos anos da infância. E, tanta água. Quanto daria em litros a quantidade de água rolada para que eu pudesse ter a visão do desfile silencioso à janela?
Acho que por isso, meu inconsciente me trouxe à memória “Saca-rolha”, marchinha que precisei verificar a letra online, por já não me lembrar. Acho que a última vez que eu a ouvi ainda era criança.
Saca-Rolha
Mirabeau, Lúcio de Castro e Milton de OliveiraAs águas vão rolar
Garrafa cheia eu não quero ver sobrar
Eu passo mão na saca, saca, saca rolha
E bebo até me afogar
Deixa as águas rolarAs águas vão rolar
Garrafa cheia eu não quero ver sobrar
Eu passo mão na saca, saca, saca rolha
E bebo até me afogar
Deixa as águas rolarSe a polícia por isso me prender
Mas na última hora me soltar
Eu pego o saca, saca, saca rolha
Ninguém me agarra, ninguém me agarra
Apesar da letra falar com certa tristeza, ao meu sentir, sobre a ideia de beber até que alguém se afogue, seja o sujeito, que esvazia as garrafas, ou as mágoas que ele parece querer afogar, ainda que de um jeito carnavalesco, a ideia de que tudo rola, desenrola, se acelera eu nos carrega persiste e ressoa em minha mente, e se apercebe ressentida e feliz por um tempo que já não é mais. Graças à Deus*a.
Observar o tempo presente e estar em paz com ele, é como ter a certeza de que passamos pela vida, dando conta dela, de alguma forma, por vezes afogando as mágoas, por outras sendo afogados por elas. E, logo mais, se tudo correr bem, nos dando conta de que nem precisava tanto escândalo, tanto drama, tanto carnaval. Por, afinal, ser tudo mera fantasia.

Silvia Regina Guimarães é escritora, especialista em Psicologia Analítica, Doutora e Mestra em Comunicação e Semiótica. Mantém Gostonomia desde 2010. E parece agora querer voltar a escrever regularmente por aqui.
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