História Doméstica
por Silvia Regina
Mais uma noite e ele era um monstro. Só que de amor por ele ela sofria. Seria capaz de morrer, mas vivia, na esperança de um dia detê-lo. Não como quem amarra e amordaça, mas como quem acalenta por zelo.
Naquele, ela não via nada nem desprezo. Aquela vida cambaleava, de copo em copo, de corpo em corpo, sem qualquer apreço. Porém, mesmo frio e desempenhado de seus compromissos de amor, continuava dominando o ar ao seu redor, como hálito que não dispersa, carregado de álcool, maledicência e poeira. Aquela que fica depositada nas mesas postas à beira da estrada de quem só sabe passar.
– As mesas devem ser servidas! – Pensou chorosa e enraivecida.
Abatida, combalida, a sofrida desejou vingança. Pensou naquilo que exibiria sua pujança diante daquela alma desalmada. Só que de nada foi capaz.
Ainda assim, deixou o coração ao lado do prato que seria seu na mesa posta. Penteou os cabelos, carregou os olhos em preto e na boca, a pele exposta. Insinuou as maçãs e os seios em coral, os sapatos combinavam com o odor da raiva pela provável rival.
Veneno puro ela se pensou. E tramou mais uma vez. Seria a ultima noite de solidão ou o início delas, talvez.
– Ou ele volta ou me deixa em paz.
Como num galope chegou ao boteco onde ele deveria estar. E, dito e feito: a maldita deslizava por entre as pernas, pelo pescoço, braços, lábios, mãos e o que mais?!
Respirando fundo, odiou mais um tanto e tramou outra vez. Desistiu novamente da espera, do pesar e do aceite, dominou a crise que não era sua para por fim na situação.
Aproximou-se do casal e, com um soco na mesa deu a letra da decisão:
– Ela ou eu, meu irmão?
De enroscado ele se mediu enrascado. Entendeu o enunciado e foi logo se levantando. Deixou na mesa o valor da conta e mais um trocado, para a abusada voltar pra casa. Da outra nunca mais ele soube um ai.
De agora em diante quem gemeria era ele, nos braços da amada que foi à luta e não se deteve.
Ao sair daquele bar, cobiçado, guiado e seguido por um decote avassalador, sentiu-se especial. Era o fim das estradas, das bebedeiras e das chanchadas. A festa agora era doméstica, cama e mesa, vice e versa coisa e tal. Ele era homem de família, e a restauraria toda noite um pouquinho, junto da moça de coral.